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Modelagem de processos além da BPMN

No último post falei sobre processos de negócio que não se enquadram no modelo mais conhecido da “Cadeia de Valor”, proposto pelo Michael Porter. Apresentei como umas das alternativas o modelo “Escritório de Valor”, o qual descreve organizações que criam valor resolvendo problemas de seus clientes através da promoção de mudanças que levam o cliente de um “estado atual” para um “estado futuro” desejado.

Neste modelo, considera-se que os processos são mais flexíveis e a sequência de execução de suas atividades não está pré-determinada. Esse tipo de processo é frequentemente chamado de “Gestão de Casos” e será o assunto deste post.

Para facilitar o entendimento, usarei como exemplo um processo administrativo genérico simplificado cujo modelo convencional é mostrado na figura a seguir:

Considerem as atividades marcadas “Verificar conteúdo” e “Completar conteúdo”. Na primeira, o executante analisa o conteúdo da documentação apresentada e identifica se existem falhas e inconsistências que impeçam a continuação normal do processo. Caso existam, executam-se na segunda atividade as ações necessárias para reparar os problemas identificados e permitir o prosseguimento do processo ou decidir por sua rejeição.

Dependendo da complexidade do processo e da documentação envolvida, as atividades não são executadas na forma simplificada, mostrada no diagrama, mas através da realização de uma série de ações pontuais interdependentes que são acionadas na medida em que vão sendo identificados os problemas. A identificação e acionamento dessas ações corretivas pode acontecer de forma concorrente com a verificação, ou seja, o executante não espera finalizar a verificação, mas a cada falha identificada, decide pela execução imediata de uma ou mais ações corretivas. Assim, a decisão de executar algumas ações acontece somente no momento do seu acionamento. Os responsáveis por estas atividades não tem apenas um papel de executar atividades previamente ordenadas, eles assumem a responsabilidade por alcançar o objetivo do processo e tem autonomia para decidir como e quando utilizar os recursos disponíveis e possíveis.

Resumindo, no exemplo as ações a serem executadas e a sequência em que são executadas não estão completamente definidas previamente. Nessa situação, a modelagem usando uma notação convencional (ex.: UML, EPC, BPMN, etc.), que definem como deve ser executado o processo com base em diagramas de sequenciamento de atividades, tende a produzir modelos que são exageradamente simplificados ou complexos, dado que o conjunto de ações efetivamente executadas e seu sequenciamento somente será completamente definido quando da execução de cada caso.

Esse tipo de situação é melhor tratada por modelos baseados no conceito de Gestão de Casos”, onde o foco de modelagem está no que pode ser feito, ou seja, na identificação das atividades que podem ser realizadas para resolver o caso e das informações que devem ser produzidas ou estar disponíveis para uso pelos executantes. E foi para contemplar de forma mais adequada essas características que a OMG (Object Management Group) propôs o padrão de notação gráfica CMMN (Case Management Model and Notation).

No padrão CMMN o fluxo do processo não está definido completamente no modelo. O controle do fluxo é exercido pelos executantes do caso, que podem tomar decisões que não foram explicitadas previamente no modelo. O modelo CMMN é do tipo declarativo, define o que pode ser aplicado ao caso, mas não impõem o como deve ser feito. E regras podem ser declaradas definindo o que pode ou não pode ser feito dependendo do estado do caso.

Seguindo nosso exemplo, mostramos na figura abaixo uma versão de modelo CMMN para as atividades “Verificar conteúdo” e “Completar conteúdo”:

No diagrama CMMN, o principal elemento é a Pasta do Caso, que contém tudo sobre o caso, ou seja, que atividades podem ser executadas e todas as informações disponíveis sobre o caso. Esse conteúdo é representado através de diversos elementos gráficos: atividades, etapas, marcos, eventos, etc.

No nosso exemplo, identificamos a Pasta do Caso como “Verificar documentos” e incluímos um conjunto de 5 atividades que representam as diversas ações que podem ser executadas: “Verificar validade”, “Receber complemento”, “Solicitar parecer”, “Rejeitar documentos” e “Comunicar necessidade de complemento”.

As atividades marcadas com uma figura humana identificam atividades simples a serem executadas por pessoas. O símbolo da “Mão” identifica uma delegação, um tipo de atividade que não bloqueia o Caso, ou seja, o Caso pode ser encerrado mesmo que esta atividade ainda não tenha sido executada. A borda tracejada identifica que “Rejeitar documentos” é uma atividade opcional, prevista no modelo, mas acionada por decisão do responsável pela Pasta do Caso.

Não cabe aqui uma descrição detalhada dos artefatos e opções de modelagem da notação CMMN, vamos apenas destacar algumas de suas características e diferenças mais relevantes em relação às notações mais conhecidas:
  • Nem tudo que pode ser feito precisa ser previamente especificado no modelo. Por exemplo, a interação dos executantes com os dados do caso geralmente não é modelada em detalhe, mas considera-se que dados e documentos podem ser inseridos e atualizados a qualquer momento durante a execução do caso;
  • Na notação CMMN a execução das atividades não segue uma ordem pré-definida, ou seja, não existe um fluxo de execução pré-definido. O responsável pelo Caso define qual a próxima atividade a ser executada. Mas é possível definir regras que condicionam quando que uma atividade está disponível para execução.
  • Todas as informações do Caso podem ser atualizadas a cada momento, não apenas aquelas diretamente associadas à atividade sendo executada. Ou seja, qualquer informação do processo pode ser registrada assim que disponível, não apenas em atividades específicas;
  • O modelo CMMN pode parecer menos intuitivo que um modelo convencional, pois não dá para seguir visualmente o fluxo de execução;
  • A maior liberdade na execução das atividades implica em uma maior responsabilidade dos participantes do Caso que, em geral, precisam ter maior conhecimento e iniciativa do que os participantes de processos mais controlados;
  • Existem diversos artefatos que podem ser incluídos como itens adicionais na Pasta do Caso, como por exemplo:
    • Marco - representa uma realização relevante alcançada durante a execução do caso e que facilita a identificação de progresso do caso. No diagrama é representado por uma elipse achatada;
    • Etapa - representa um subconjunto do caso, similar ao subprocesso da notação convencional. Geralmente é usada para controlar a complexidade do modelo facilitando sua decomposição em conjuntos menores. No diagrama é representado por um retângulo envolvendo os itens contidos;
    • Dados - representa itens de informação que podem ser manipulados na execução do caso. Pode ser uma base de dados, um documento, arquivos de vídeo ou aúdio, etc. No diagrama é representado por um ícone de documento;
    • Condições - permitem definir quando um item da Pasta deve estar disponível para uso, servindo como um critério de entrada, ou quando o item deve ser encerrado (critério de saída). No diagrama são representadas como losangos afixados na borda do item;
  • Como exemplo, mostramos na figura abaixo uma versão do nosso exemplo enriquecido com alguns artefatos adicionais:
    • A atividade “Comunicar necessidade de complemento” somente estará disponível para execução se for atendida determinada condição definida na atividade “Verificar validade”;
    • A atividade “Verificar validade” produz dois marcos do caso: “Documentos analisados” e “Verificação encerrada”, sendo que este último é condição para o encerramento do Caso;

Finalmente, tendo sido definida mais recentemente, a notação CMMN prevê a possibilidade de integração com modelos nas notações BPMN e DMN, possibilitando a modelagem de processos que combinam as características dessas três notações. Mas este é assunto para um próximo post.

Para quem interessar, seguem duas referências relevantes:


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