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A startup como instrumento de organizações públicas

Continuando o tema de startups do post anterior, apresento uma iniciativa muito interessante que está em desenvolvimento nos Estados Unidos e que trata da incorporação de conceitos do movimento Lean Startup em organizações e programas de governo. Além de ser um bom exemplo de como organizações publicas podem se beneficiar da agilidade das startups, é também um caso que ilustra como grandes organizações, públicas ou privadas, podem se beneficiar de iniciativas de inovação integradas com sua máquina de execução.

O Hacking for Defense é um curso criado pela Universidade de Stanford, em 2016, para integrar grupos de estudantes de empreendedorismo com o Departamento de Defesa (DOD) e a Comunidade de Inteligência (IC). O objetivo é desenvolver novas formas de trabalhar com ameaças emergentes e desafios de segurança, envolvendo os estudantes na aplicação dos princípios do Lean Startup para tratar problemas de segurança nacional.

A motivação do curso é que as agências americanas têm sido desafiadas pela atuação disruptiva de novos atores como ISIS/Al-Qaeda e instabilidades em cenários diversos como nas Coréias, Ucrania, China, etc. Até duas décadas atrás elas podiam contar com ampla superioridade na propriedade e controle de ativos de conhecimento (pessoas, processos e sistemas), mas hoje esses ativos viraram produtos de prateleira que os novos adversários podem acessar e utilizar de forma surpreendentemente ágil e inesperada. Enquanto isso, DOD & IC estão mergulhados em um contexto de mega investimentos em infraestruturas e equipamentos, e um sistema de gestão que promove a manutenção do status quo e a capacidade de resolver problemas do passado, com reações tão lentas que frequentemente o problema muda antes da solução ficar pronta. 

O curso segue o método Lean LaunchPad, desenvolvido pelo SteveBlank, um experiente empreendedor e investidor de empresas de tecnologia que, pouco mais de dez anos atrás, se tornou professor e desenvolveu um método de desenvolvimento de produtos que se tornou a base do movimento Lean Startup. O Lean Launchpad é um curso prático que ensina o desenvolvimento de produto e a modelagem de negócios através de ciclos curtos de interação entre os alunos e clientes reais. O Lean Launchpad foi também adotado pela National Science Foundation para formação do Innovation Corps (I-Corps).

Os estudantes formam grupos e escolhem um tema de uma lista de problemas de segurança nacional que é fornecida pelas agências americanas, ou então apresentam sua própria proposta de problema que acreditam precisa ser resolvido. Cada grupo é orientado por 2 mentores, um da agência de governo que propôs o problema e outro da comunidade local. Além disso, cada grupo também conta com um militar da ativa que promove e facilita sua comunicação com os patrocinadores do problema.

Os grupos trabalham junto com os representantes do DOD/IC para tratar os problemas selecionados, aplicando os princípios do Lean Startup na descoberta e validação de hipóteses sobre as necessidades dos clientes e desenvolvendo de forma iterativa protótipos que testam suas hipóteses e demostram se realmente entenderam o problema e a solução necessária. A cada rodada, os grupos devem sair da sala de aula para contatar as partes envolvidas no problema (Especificadores de Requisitos, Gerentes de Compras, Operadores, etc.) e validar com elas suas hipóteses. A medida que aprendem com as iterações, e aumentam seu conhecimento sobre o problema, os grupos elaboram protótipos da solução no conceito de mínimo produto viável (MPV) do Lean Startup.

Para usar o Lean Startup no Hacking for Defense a equipe do curso precisou adaptar um dos seus pilares: o diagrama Business Model Canvas (BMC). Esse instrumento é usado no processo iterativo de busca do melhor modelo de negócio para desenvolver e fornecer produtos adequados para os clientes-alvo de forma rentável e escalável. O diagrama abaixo mostra o BMC conforme adaptado pelo Sebrae no Quadro de Modelo de Negócio
O problema é que no BMC as principais métricas de sucesso estão relacionadas aos blocos "Fontes de Receita" e "Estrutura de Custos". Em geral, deseja-se encontrar um modelo de negócios capaz de gerar um fluxo de receita contínuo e crescente, sem uma evolução correspondente dos custos. Ou seja, trabalha-se com a premissa de buscar um modelo de negócio rentável e escalável.

Porém esta premissa não cabe no Hacking for Defense. O objetivo dos grupos é gerar valor através do cumprimento da missão,  resolvendo o problema dado considerando eventuais restrições de orçamentos e custos. Assim, para adaptar as métricas de sucesso do BMC foi desenvolvida uma variante, batizada como Mission Model Canvas, que propõe algumas alterações no diagrama:
  • Trocar Segmentos de Clientes” por Beneficiados”identifica as partes interessadas na Missão, além dos Combatentes pode envolver, por exemplo, as equipes de apoio que tratam dos processos de aquisição, implantação e manutenção necessários para adoção da solução;
  • Trocar Estrutura de Custos” por Orçamento/Custo da Missão: envolve a estimativa do orçamento necessário para implantar a solução de forma a cumprir a missão;
  • Trocar Canais” por Implantação: define os requisitos para implantação da solução (ex.: usuários, unidades em campo, prazos, sucesso na utilização,etc.), tudo que será necessário realizar para transformar o MVP em uma solução adotada por todos que precisam dela;
  • Trocar “Relacionamento com Clientes” por Angariar Apoio”: identifica as partes interessadas de cuja adesão vai depender o sucesso da implantação e sua manutenção no longo prazo;
  • Trocar “Fontes de receita” por Critérios de Missão Cumprida”: identifica os critérios que serão adotados para sinalizar o cumprimento da missão. Por exemplo: número de refugiados abrigados, número de ataques prevenidos, etc.;
Com essas alterações o diagrama do Mission Model Canva fica como na figura abaixo:

Seguem alguma referências adicionais sobre o tema:


E até o próximo post.

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